06/05/2009

As aventuras do Dr. Bogoloff (Lima Barreto - trecho do livro)


... Sem querer aumentei minha consideração (por usar uma cartola) e muita gente que me supunha na miséria, passou-me a tratar de forma mais atenciosa possível. Resolvi, por esse tempo, dar um plano que me trouxesse um chapéu novo, porquanto aquela cartola usada todo dia podia dar a entender que eu não tinha outro chapéu. Não convém usar muito repetidamente a cartola. No começo, faz sucesso; mas, com o correr dos dias, denuncia a miséria em que estamos.
A questão do chapéu era para mim importante e decidi-me a resolvê-la quanto antes.
Quase sempre nas minhas excursões pelas casas dos políticos, ia tomar uma garrafa de cerveja a uma pequena confeitaria situada num arrabalde. Desde a segunda vez que lá fui, o caixeiro, à falta do que fazer, pôs-se de conversa comigo. Não deixei de dar-lhe atenção e a todas as suas perguntas respondia com o máximo desenvolvimento. Gostou ele muito da minha prosa e apreciou sobremodo a minha erudição. Passei a tomar duas garrafas em vez de uma e fui estreitando a amizade que tinha com ele.
Certo dia, estava eu conversando com a minha recente amizade, quando fiz reparo que, defronte à confeitaria, havia uma chapelaria. Notei ainda que os chapéus não eram maus e, não sei bem por que, veio-me a idéia de que aquele era o estabelecimento destinado a fornecer-me o chapéu. Eu queria um chapéu bom e os meus cobres não chegavam para isso. Pensei e achei um excelente plano para obter um.
Creio que a coisa se passou numa sexta feira. Cheguei muito cedo à confeitaria e disse ao caixeiro, meu amigo:
— Tenho que dar uma festa lá em casa e preciso de doces. Fui a diversas confeitarias e não puderam aceitar-me a encomenda, pelo simples motivo de que já têm muitas. Você podia servir-me?
— Pois não, Dr.
Tinha com jeito dado a entender ao caixeiro que era doutor, mas não lhe disse o meu verdadeiro nome.
— Bem. Então você me manda preparar isso e mais cinqüenta pastéis.
O caixeiro já ia correr aos fundos para fazer a encomenda, mas eu o detive e intimei:
— E mais cinqüenta pastéis! Não se esqueça!
O amigo foi à cozinha. voltou e eu disse-lhe então:
— E mais cinqüenta pastéis! Veja bem!
— Estão encomendados.
— Logo mais, quando vier buscá-los, pagarei.
— Não há dúvida, Doutor.
Saí muito contente e entrei na chapelaria como um rei. Pedi um chapéu e o caixeiro não tardou em servir-me. Escolhi com todo o vagar, mirei-o no espelho e disse com todo o garbo:
— Quanto custa?
— Vinte e cinco mil réis.
Aprumei-me todo e disse com toda ênfase:
— Não tenho aqui o dinheiro bastante; mas não há dúvida. Deixei ali, na confeitaria, cinqüenta mil, para pagar uma conta e vou ordenar que lhe deem vinte e cinco. Venha cá!
O caixeiro seguiu-me e, ao chegarmos à porta, apontava um bonde.
— Que diabo! — disse eu. — Lá vem o bonde... Não há dúvida. Falo daqui mesmo.
E gritei para a confeitaria, chamando o caixeiro:
— Chico! Chico!
Não tardou que o meu espontâneo amigo aparecesse na porta. Eu lhe disse:
— Daqueles cinqüenta, manda vinte e cinco para o senhor, ouviu?
E apontei o empregado da chapelaria, que estava ao meu lado.
— Sim, senhor! — respondeu o Chico
O bonde chegava, despedi-me do caixeiro da chapelaria, que muito contente me oferecia o chapéu embrulhado.
Tomei o lugar no bonde e não sei do seguimento a aventura, porque nunca mais voltei por aquelas bandas, mas fiquei com o chapéu e não fui perseguido nem pelo confeiteiro nem pelo chapeleiro...

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